Há precisamente 80 anos, Anne Frank deixava algumas palavras e sentimentos nas páginas do seu diário, 21 de Setembro de 1942 [segunda fotografia]. Logo no início diz, “Foi instalada uma lâmpada por cima do meu divã para que no futuro, quando eu ouvir as armas a disparar, possa puxar um fio e acender a luz.” O futuro… E pensar que hoje, 21 de setembro de 2022, são muitas as crianças que estão a passar por isto. Estão a aprender a viver, ou melhor, a sobreviver à guerra, a lidar com a perda, e com inúmeras situações inimagináveis. Estão, certamente e infelizmente, a partilhar dos mesmos receios, sentimentos, tristezas e dúvidas, tal como a Anne Frank. E imaginar que muitas crianças encontram refúgio nos sonhos que têm e com esperança na paz, como a Anne fez. Talvez, também estão a escrever nos seus diários o que nunca será apagado da memória. De muitas outras confissões que Anne Frank fez neste dia, tomei nota desta (que continua nas páginas seguintes): “Por vezes ouço as emissões holandesas a partir de Londres. O príncipe Bernhard anunciou recentemente que a princesa Juliana está à espera de um bebé para janeiro, o que acho maravilhoso. Ninguém aqui compreende porque é que me interesso tanto pela Família Real.” Imagino esta menina, que através das suas palavras, mostra o quanto gosta de estar atenta a tantas outras coisas, e como as descreve com grande ternura. E praticamente no fim do relato deste dia, escreveu: “O Papá deu-me autorização para tricotar uma camisola de lã branca; o fio não é muito bonito, mas será quente, e é isso que conta. Alguma da nossa roupa foi deixada em casa de amigos, mas infelizmente só poderemos ir buscá-la depois da guerra. Se ainda lá estiver, claro.” Nenhuma criança deveria passar por isto. Mas, 80 anos depois, o mundo ainda não sabe protegê-las deste frio.
– Fabiana Couto
Fotografias do livro O Diário de Anne Frank, edição especial, Livros do Brasil, Porto Editora, junho de 2022.